24 de maio de 2009

“Entreteias” chegou às minhas mãos em folhas avulsas de papel reciclado, sem o acabamento visual elaborado pelas editoras. A agitação do dia-a-dia me obrigou a deixá-lo sobre a mesa da sala por duas semanas, ainda que o nome da obra tenha despertado em mim um interesse que me corroeu por todo esse tempo.

A leitura de um livro começa pelo título. É a partir dele que o imaginário do leitor vai ser moldado. O neologismo aqui presente sugere de modo fulminante a atmosfera moderna em que o leitor está prestes a penetrar. A suspeita inicial é confirmada logo nos primeiros “cantos”, em que o autor assume uma postura filosófica, reflexiva, ao longo de versos brancos, dispostos sem o rigor formal tão característico da poesia clássica.

Na temática também é assim, por isso não espere encontrar aqui poemas de amor dilacerante, paixões arrebatadoras, confissões de um “eu” lírico escancarado. Não é esse o propósito do livro. Para mim, que tenho a sorte de manter os olhos e a mente no século XXI e o coração no século XIX, foi uma grata surpresa essa constatação, o que me causou uma estranheza só denunciada pelos olhos de quem vê o novo pela primeira vez.

O poeta Diego Braga não escreve poesia popular, não redige aquele verso que se compreende na primeira leitura; produz, antes de tudo, um texto desafiador, instigante, que exige do leitor o raciocínio, o cuidado, a reflexão. Esse traço revela, na intuição de minha sensibilidade, o grande mérito do livro. A poesia dele, elaborada dessa forma, se apresenta a maior parte do tempo exalando o aroma fresco da vanguarda.

Em seu estro, ele usa e abusa de recursos lingüísticos que visam, sem qualquer prepotência, reinventar a língua, esmiúça-la, virá-la do avesso até, se necessário for, só para traduzir o sentimento preciso, muitas vezes descrevendo a “aparência” do abstrato, como se fosse um exercício literário desafiador e complexo.

O jogo de palavras, a antítese, o anagrama, a influência de Fernando Pessoa e dos gregos, o neologismo de James Joyce e Guimarães Rosa, a poesia visual, herança concreta dos irmãos Campos e Décio Pignatari, a natureza, os Deuses, o tudo e o nada, o muito e o pouco, desfilam nas páginas desse livro, cuja leitura me deixou convicto, nas palavras do próprio autor, de que “tudo é um deixar de ser outra coisa”.

Carlos Eduardo Drummond
Poeta e escritor

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