19 de julho de 2009

Eu tinha um selo pequeno,
Fabricado no Japão,
Com a face de uma gueixa,
Que mal cabia na mão.
Eu amava aquela gueixa,
De todo o meu coração,
Desprezando os outros selos
Restantes da coleção.

Já cansado de sonhar
Usei a imaginação:
Disposto, então, a lutar,
Entrei de selo na mão
Num grande templo budista
Cercado de tradição.
Ali, diante do Buda,
Comecei uma oração,
Fiz um pedido secreto
À luz da meditação.
Selei, no fim, meu pedido,
Beijando o selo na mão
E agradeci ao deus Buda,
De joelho ainda no chão.

Voltei do templo, feliz,
Com mais fé do que razão,
E quando cheguei em casa,
Antes de abrir o portão,
Passou por mim uma gueixa,
No meio da escuridão.
Era muito parecida,
Nas roupas e na expressão
Com a gravura do selo
Escondido em minha mão.

Passava da meia noite
Quando tranquei meu portão.
E como era de costume,
Contei minha coleção,
Para repor o meu selo
Que veio lá do Japão.
Depois de contar os selos,
Procurei na minha mão,
A face daquela gueixa,
Perfeita na ilustração.
Porém, para o meu espanto,
Tristeza e insatisfação,
A face da linda gueixa.
Ali não estava mais não.

Lembrei imediatamente,
Do templo e da tradição,
E pude, enfim, comprovar
A força de uma oração.
Percebi que a linda gueixa
Foi certamente enfeitar
O céu de outra coleção.
Assim deixou de ser minha,
Nem mais cabe em minha mão,
Pertence à filatelia
Humana, da criação.
É mais um selo no mundo,
Gerando satisfação,
Do mais poderoso homem
Ao mais simples cidadão.

Carlos Eduardo Drummond

4 de julho de 2009

(Foto: Carlos Eduardo Drummond)

"A arte de fotografar é a arte do olhar."
Carlos Eduardo Drummond