João do Pandeiro, morador de
morro e compositor de Samba-Enredo, fez um samba sozinho e inscreveu no
concurso de sambas de sua escola de coração. Perdeu na final, uma semana depois
da inscrição. Para compor, inscrever e participar da disputa, não gastou mais
que duas cervejas. No outro ano, encontrou um amigo bom de melodia e os dois
compuseram novo samba. Dessa vez, ganhou, interpretando, ele próprio, o samba.
E gastou apenas quatro cervejas. Nos concursos seguintes, João percebeu que não
ganhava mais. Reparou também que os sambas inscritos eram assinados por pelo
menos dois compositores. E, curiosamente, os que ganhavam tinham bons cantores.
João, então, decidiu convidar um intérprete para cantar seus sambas. Chegou à
final novamente, mas não ganhou. Gastou as cervejas e o preço acertado com o
cantor. No ano seguinte, caprichou no samba outra vez e contratou um cantor de
apoio. Ganhou de novo. Porém, gastou bem mais. O
tempo passou e João voltou a perder. Viu, então, que os sambas vencedores
tinham pelo menos dois cantores, um surdo, um violão, além do cavaquinho. E
havia gente torcendo por eles. João, então, resolveu convidar Seu Manoel da
Padaria para assinar o samba com ele, porque os custos seriam maiores. Seu
Manoel, muito vaidoso, aceitou. Com três compositores, e um bando de
portugueses na torcida, o samba de João chegou à final e ganhou de novo. Festa
na padaria. João gastou, mas Seu Manoel gastou muito mais. Outras derrotas
vieram. E João começou a ficar desiludido. Coincidentemente, os sambas
vencedores levavam pelo menos quatro bons cantores, um ônibus com torcida,
papel picado e bandeiras. João precisou convidar Seu Manoel da Padaria, Seu
Jorge do Açougue, além de Marcinho Professor, que dava aula para três turmas
lotadas de jovens apaixonados por samba. E convidou também o Rogerinho da
Viação Flecha, porque conseguia ônibus de graça. Seu samba chegou à final, após
oito semanas de apresentações e quadra lotada. Que festa! E o samba de João venceu
novamente. O prêmio foi alto, mas depois de fazer a divisão entre os
colaboradores, e abater os gastos, sobrou apenas o orgulho pela vitória. João
voltou a perder nos anos seguintes. Observou que depois de treze apresentações,
todas as parcerias finalistas eram formadas por pelo menos vinte pessoas,
roupas padronizadas, torcidas organizadas (e bem alimentadas), papel picado,
alegorias, bandeiras, bolas caindo do teto, bomba de serpentina, fogos de
interior, telão de led, carro de som, canhão de luzes, danças
coreografadas, faixas e adesivos com o refrão, além de quinze mil prospectos e
cinco mil CDs
distribuídos durante todo o concurso. A neta de João disse a
ele que o samba campeão havia sido muito bem comentado nas redes sociais e que tinha
feito um clipe que bombou no youtube durante toda a disputa. João não
acessava a Internet. Ficou desiludido mais uma vez. No último ano,
apenas quatro parcerias tiveram coragem (e orçamento) para se inscrever na
disputa, e todas com compositores mesclados de outras escolas. Na lista de
compositores inscritos, havia seis cantores de renome, um jogador de futebol,
vinte e cinco empresários e um político. João assistiu à vitória de um samba
que gastou o equivalente a um imóvel e levou duas mil pessoas à quadra na final...
cantando. E João, que ainda morava de aluguel, concluiu que não dava mais para
ele. Os sambas dele já não tocavam mais na quadra porque não se encaixavam
no formato novo. João morreu no dia de uma final de sua escola de coração. Mas
nem sequer foi feito o minuto de silêncio. O cara responsável estava ocupado no
celular, tentando acessar a rede wi-fi, para publicar uma foto com a
rainha de bateria, enquanto o cantor da Escola interpretava os versos: Não
deixa o samba morrer....
Carlos Eduardo Drummond
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